segunda-feira, 16 de maio de 2011

Eu, eu mesma e minha cabeça dura


Oi, to aqui me lembrando de como você vive sonhando, sonhando, olhando pro céu e imaginando que alguém também estaria olhando pra esse mesmo céu. Não, ele nunca olhou pro céu e pensou em você, homens não costumam fazer muito isso, me desculpe. Talvez ele se lembre de você quando passar com outro na frente dele, ou quando os amigos dele comentarem que ele perdeu um prato cheio, ou talvez quando ele perceber que mesmo experimentando várias, nenhuma supria a sua falta. Mas não, esquece esse lance de olhar o céu, no máximo ele olha pro céu pra ver se vai chover. Sabe querida, eu não quero te machucar, mas eu, eu não sonho mais. Não sonho porque aprendi, cresci, mudei. Ainda continuo com aquela mania irritante que você tinha de coçar o nariz de cinco em cinco minutos e meu gênio não melhorou com a idade não. Mas parei de sonhar com amores impossíveis. Casei. Não, não foi com o seu primeiro amor que eu casei, e também não foi com o segundo, nem com o terceiro. Muitos vieram, chorei e achei que ia morrer por todos aqueles, lembra? E tudo aquilo que você achou que nunca ia esquecer, acabei esquecendo. Ontem encontrei com aquele, o que mais doía em você, sabe? Encontrei num posto de gasolina. Eu abastecendo o carro do ano, ele trocando o pneu de outro, com o cofrinho peludo aparecendo, sujo de graxa, provavelmente o frentista. Olhava, olhava, sabia quem era, mas não conseguia lembrar o nome do sujeito. Acho que ele também sentiu a mesma coisa, me olhou, fez que vinha e não veio, fez uma cara triste, quem sabe arrependido de ter desperdiçado tanto. Eu não me arrependi de nada, ouviu? Não corra mais atrás dele, ele virou um careca, gordo, que meche no nariz e coça o saco em público e daqui a quinze anos você não vai lembrar nem o nome do troglodita. Você acha que isso nunca mais vai embora, né? Mas foi, passou, como eu disse, nem lembrava do nome dele. É só dar tempo ao tempo, só deixar outras pessoas chegarem, você sempre tem a mania de achar que tudo é eterno. Mas não é, não vai ser. Não vou ficar dizendo com quem eu casei, quantos filhos eu tenho e tudo mais, isso faria com que toda a graça fosse perdida. Além do mais você iria se achar muito se pudesse ver o nosso futuro, coitada das suas amigas. Só eu sei o quanto elas deveriam ganhar um premio por agüentar suas chatices. Mas digo que casei com uma pessoa que você nem imaginaria. Não, não estava perto de nós o tempo todo, conheci de repente, deu certo de repente, e me fez esquecer tudo de repente. Tive mais filhos que queria, e mais do que seus peitos agüentaram, confesso. Depois do terceiro eles cederam à lei da gravidade, você ficou puta comigo, mas queria te lembrar que na hora de fazer foi bom pra você né? Então não reclama. Sou feliz, de um jeito que você nunca pensou em ser: de um jeito tranqüilo. Você supunha que felicidade era agitação, aventura, intensidade. Eu escolhi a paz, escolhi o carinho, zelo, amor ao invés das paixões, da ilusão, da inconstância. Agora tenho a certeza de tudo, menos de como seria se eu tivesse feito do seu jeito. Mas tenho certeza que se tivesse seguido aquele seu velho sonho de ser independente enquanto seu projeto a marido não tinha nem o ensino médio completo não iríamos acabar muito bem não. Meu marido querida, causa inveja num raio de 8 km, e você aí sonhando esse traste, que não consegue falar uma frase sem colocar no mínimo cinco gírias escrotas no meio, vou te contar viu. Se dependesse de você, a gente ia tá é na merda agora, sendo eternamente classe média, ralando um ano inteiro pra passar 5 dias em Ubatuba, faça-me o favor. Tô falando tudo isso que é pra ver se você acorda, muda de rumo entende? Eu cheguei aonde cheguei com muito esforço, tive que driblar suas vontades de fazer besteira, tive que escolher minha vida mesmo com você atrás contrariando tudo. Que não é assim, que prefere aquele homem grosso, que preferia aquela amiga falsa, que preferia aquela vida fútil, que não gosta que ninguém mande em você, que quer fazer as coisas do seu jeito. Aaaaaaai, como você me atormenta, às vezes tenho vontade de tapar sua boca com uma rolha pra ter sossego. Acorda menina, acorda que se você começar a escolher certo agora, vamos ter bem menos trabalho pra concertar tudo depois. Olha pra mim. Sou sustentada sim, faço a unha toda semana, você não tira mais nossos próprios bifes, ouviu sua mutiladora? Cabelo, roupas, shopping, motorista, cartão de crédito. Tudo, tudo sem limites. E você aí andando em cano de bike, achando que o salário mínimo dele daria pra vocês fugirem juntos e se acabarem na areia da praia fazendo amor. Ah, criatura de Deus, para de graça, muda de foco, hein? Sabe o Henrique, por exemplo, você não dá nada pra ele né? Se eu fosse você daria tudo, e ainda dava sem camisinha pra ficar grávida, porque menina, ele vai ficar ricaço (feio, mas rico) e vai viver sozinho. Se eu fosse você aproveitava. Ou então fica com esse aí, e mais pra frente vai ajudar ele a trocar pneu no posto de gasolina, amor. A vida é sua mesmo, quem vai se ferrar é você. Só não se esqueça que você vai se tornar eu, e se você fizer todas essas loucuras que você tem em mente, vou ter tanta raiva de você e da sua juventude que não conseguiríamos ter uma relação amistosa. Porque quem planta merda hoje é você, quem vai colher amanhã sou eu, então cuidado, que quase sempre a gente se arrepende por ter escolhido errado enquanto podia escolher. Hoje tudo o que eu posso fazer é pedir pra você prestar atenção com o que você fará das nossas vidas. Tomara que alguma coisa de útil tenha entrado nessa sua cabeça dura, menina. Te vejo mais tarde, daqui alguns anos, quem sabe. Cuide-se. Cuide-nos.

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