Nunca soube me entender com a vida muito bem. Sempre, sempre quis muito. Meu maior defeito era querer. Podia ter sorvete de uva, mas eu queria o de limão. E eu chupava uma, duas vezes e via que era amargo, e sabia lá no fundo da alma que era melhor o de uva, mas insistia, só pra não dar o braço a torcer. E chupava sem fazer cara feia, que era pra ninguém desconfiar. E sempre continuei querendo errado. O sorvete, os brinquedos, os amores, as dores, os porres. Sempre escolhendo o pior, sempre, sempre. E a vida falando no meu ouvido "Pelo amor de Deus, me escuta!", e eu nem aí pra vida, só muito aí pra mim, só muito atrás de ser feliz. Sempre assim, nunca soube esperar primavera, verão, outono, inverno. Não, eu corria, atropelava, arrastava tudo. E no verão tudo derretia, e no inverno tudo congelava. E nada dava certo. Não deixava a vida plantar, colher, regar, nascer. Eu queria pra ontem, eu tinha que ser feliz pra já. E correndo atrás da felicidade ela corria pra longe de mim. E querendo muito achar alguma coisa boa eu me perdia de tudo e ficava na merda. E nada, nada nunca dava certo. E de sorvete em sorvete, cresci, virei mulher, continuei correndo atrás do azedo. O azedo que virou homem. Com tantos outros doces, leves, calorosos, eu gostava do menino-limão. Do gosto ruim que era viver no amargo de agüentar o ácido e não ter nenhuma recompensa. E a vida dizia "muda, muda de foco, coloca açúcar, sacode essa sina!", e eu não escutava a vida. E eu tinha quinze anos, e depois dezessete, e depois quase vinte. E ainda continuava com a mesma birra. E se alguém perguntasse "Qual é o seu melhor gosto? Qual é o seu tipo? O que você quer pra vida?", eu respondia que gostava do tipo turrão, com cara de mau, com vida sofrida. Daqueles tipos morenos gostosinhos que enlouquecem metade do quarteirão, te azedam o dia, mas te tiram mil sorrisos, aí você perdoa. Daquela cara de cafajeste mimado assumido. Daquele corpo marronzinho se espalhando no seu cabelo loiro. Mas depois de um tempo você descobre que não adianta fechar os olhos e pensar "meu Deus, como eu queria esse azedume pra mim! Como eu queria te mudar, como eu queria ser sua, como eu queria te mostrar como um troféu e gritar pro mundo que venci, fisguei o morenão!" Mas sabe da maior? Ninguém muda ninguém, todo mundo já vem pronto pra somar, e só. E tentar se somar com outro é se diminuir cada vez mais. E se você achou azedo na primeira mordida não continua, não continua porque no fim da fruta não vai ficar doce do nada. E sua vida não muda do nada. A não ser que você deixe. Porque de repente, assim, de repente, mesmo que você não desconfie, a vida vem e começa a fazer mudanças. E você não entende merda nenhuma. E xinga a vida de ridícula porque do nada, meu Deus, do nada ela muda a rotina, do nada ela tira pessoas que você jamais imaginaria que fosse embora de perto de você, e traz pessoas, que meu Deus, você jamais imaginaria que fosse chegar, se aconchegar, se achegar, ficar, mudar, gostar. E você ainda continua pensando que é passageiro, que é só um gosto doce mais que jajá seu azedinho vai voltar. Mas não volta. E quando volta você tem ânsia, e descobre que se contentou com o horrível muito tempo. E descobre que de tanto você chupar azedo você acaba achando que é de azedo que você precisa. Porque se você comesse merda todo dia você iria achar que precisava de merda pra viver. E se você sonhasse todo dia com um morenão você ia achar que era de um morenão que você precisava pra ser feliz. Mas não, não é assim. Porque um dia vem um gosto bom, um sorriso aberto, uma felicidade limpa. E daí você percebe que a vida sabe muito mais da sua vida do que você. E aí você olha em volta e vê que sonhou a vida inteira com o impossível, fez birra de querer o que não pode, chorou por amar o que não têm. E sofre, e sofre, e sofre. Aí vem a vida e te dá, não o que você queria, mas o que era seu, por direito ou por destino, o que já estava planejado pra ser. E aí você ri, e ri, e ri. E não acredita que tudo, tudo que você desejou um dia, você não tem, e você acha engraçado. Porque sabe que o que você tem é melhor do que tudo que você já desejou. E aí você vê que Deus sabe o que faz. Que a vida sabe o que faz. Que você, você não sabe merda nenhuma. E que precisa parar de desejar tanto pra começar a aceitar o que a vida te dá de bandeja. E descobre que quando a gente insiste demais em uma coisa, e essa coisa não vem, é porque algo muito melhor já está reservado. E depois você enche a boca pra falar que tudo está doce. E aí você pensa, meu Deus, desejei um morenão, errado, azedo, mal-humorado, com problemas de família e me vem um branquelo, certo, doce, com um humor de doer a barriga, com uma família unida.E aí você descobre que o importante não é ter alguém pra te perguntar como foi o dia, mas sim ter alguém que faça seu dia ser feliz. Aí você vê que amar sem limites é papel pra Santa, e que você não precisa ter um amor incondicional pra ser imensamente feliz com um carinho bom. E aí você percebe que amava errado, queria errado, sonhava errado, pensava errado. E aí você muda, sabe que quer muito viver um amor, mas só se for pra ser amada também. Se for pra ser desejada também. Se aceitarem voar junto com você também. Pra que seja doce para os dois. Porque de azedo, já basta todo o resto. E porque gostar de alguém tem que ser doce, senão perde todo o gosto. E no meio dessa plantação de azedo e doce, você se vê feliz. E agradece por nada ser como você sonhou. Por ser melhor. E lê numa traseira de caminhão que a felicidade é incerta. E uma menininha te olha e diz "não tem de limão, pode ser de uva?". E você respira fundo. Aceita o que a vida quer te dar dessa vez. E não, não estou falando de sorvetes..
sexta-feira, 27 de janeiro de 2012
sexta-feira, 6 de janeiro de 2012
Rinite de amor alérgico
Detesto esse povo que me manda esquecer. Tô meio murcha porque minha rinite atacou e lá vem o drama. “Tá triste, né querida? Eu sei, ele te usou, Mas não liga não. Eles são assim mesmo, são todos iguais. Só estão a fim daquilo lá que você sabe né. Você deve estar se sentindo péssima, eu sei, mas vai passar, viu linda?”. É, tô me sentindo péssima, mas é com você despejando mil e umas frases prontas que viu na internet e usa por aí como se distribuísse conselhos excelentes. E não fica assim como? Com esse olho cheio de lágrimas e essa cara de acabada? Eu fico acabada com qualquer poeira. Qualquer filme me faz chorar. Fico acabada com o calor que me deixa mole. E esse povo achando que eu tô sofrendo por homem. Sabe, você sabe, eu odeio poeira. Eu odeio porque poeira me lembra tudo que é velho. E tudo que é velho me lembra ele. Porque ele é velho. Velho na minha vida. E eu não gosto de quem pára na estante do meu coração, junta poeira, atrapalha todo o resto e não serve pra nada. Gosto da casa, da pele, da vida, do coração limpo. Aliás, vivo muito melhor. Depois que descobri que tinha alergia a ele, e que tudo que eu tinha que fazer era limpar esse pó acumulado aqui dentro, ficou tudo mais fácil. Agora não preciso mais de pessoas infelizes me dando conselhos sobre como ser feliz. Agora vou mandar você se ferrar em pensamento e responder que não é nada, é só minha rinite. E me deixa, que eu demoro demais pra sacudir a poeira. Mas quando vou, passo feito furacão, arrasto tudo, não penso mais em sorrisos, em vontades, em passado. Me deixa, que eu tenho meu tempo. Fico anos dando murro em ponta de faca, depois roubo a faca, te rasgo inteiro, e você só percebe quando começa a sangrar. Não dou nem meia volta quando querem que eu dê a volta por cima, mas de repente, o mundo gira, e eu que fui tanto tempo suja, tanto tempo murcha, tanto tempo alérgica, agora vou ser caçadora. Feito aquelas faxineiras que não sossegam enquanto não estiver tudo brilhando. Caçadora, é. Mas sabe do que? Da minha felicidade. Do meu mundo colorido que eu sempre sonhei. Dos dias de sol que respiro bem e sujeira nenhuma afeta minha vida. É só esperar, hoje tô entupida, congestionada, com o peito chiando, com a vida doendo. Amanhã tô pulando, com a vida saltando dos olhos, com a garganta limpa pra poder gritar alto que sou feliz. É, sou feliz. E apesar da minha alergia eu sou alegria. Tá vendo como uma letra faz diferença na vida? É fácil ser feliz. Basta fazer uma faxina de umas ou outras sujeiras que andam por aí com pernas, braços, sorrisos e mentiras.
segunda-feira, 2 de janeiro de 2012
A pamonha de Piracicaba
Regras. Relacionamentos são feitos basicamente de regras. Regra número um: não demonstre estar sentindo o que você está sentindo. Regra número dois: aja sempre do modo oposto ao que você queria agir. E a mais importante, regra número três: brinque sempre de gato e rato. Assim você prenderá alguém na sua ratoeira. Certo? Errado, pelo menos pra mim. Sempre odiei regras, nunca deu certo esse jogo de brincar de estar com alguém. E mesmo odiando, sempre fiz as coisas na ordem certa: começo, meio e fim. Mas pela primeira vez tô amando me relacionar com alguém porque não tem jogo, nem regra, nem coisa certa a fazer. Porque a ordem tá completamente invertida, e olha que irônico, invertida e confortável. É a primeira vez que eu sei que tá tudo errado, mas tô achando tudo muito bom. Tudo “não mude uma vírgula”, tudo em paz. Tô em paz comigo, olha que milagre. Toda vez que aparecia alguém parecia que dentro de mim uma escola de samba começava a tocar, e não parava mais, e não me deixava dormir, e não me deixava acalmar. Dessa vez não teve jeito, não teve freio, não tem parada, tá descendo desenfreado num ritmo que eu não consigo acompanhar. Mas olha que legal, pela primeira vez não faço a menor idéia do que pode acontecer amanhã mas mesmo assim não estou arrancando meus cabelos. E tô morrendo de medo de te perder, mas sei que se te perder não vou morrer. Confuso, mas no fundo é simples. Eu disse não, você disse sim. E na hora que era pra passar o telefone errado eu passei o certo. E na hora de se fazer de difícil eu fui sincera. E quando me perguntou do que eu gostava eu não menti, não disse tudo que um homem gostaria de ouvir, eu disse tudo que eu gostaria que um homem aceitasse. E quando me traiu eu falei que senti. Senti pra caralho seu ordinário. Você não podia ter feito isso comigo, mas eu te perdôo. Te perdôo porque é errado perdoar, mas como eu quero perdoar, eu vou mandar o errado se fuder. E quando era pra falar ponto final, eu falei que queria continuação. E quando você falou já que você quer assim eu vou embora e acabou aqui, eu falei não acabou, me beija, não vai embora, fica aqui. E em vez de você sumir assustado comigo, você ficou. Tudo invertido. E discutimos a relação antes de existir qualquer relação. E dormimos de conchinha antes de transar com você. E me vi sendo tão mais sua do que já fui de qualquer outra pessoa. E era pra ser só mais uma noite, mas fui dormir pensando que talvez tivesse sido a melhor. E você disse que não queria nada sério e estamos quase sério. Tudo errado. Tudo sem sentido. Tudo confuso. Mas eu estou entendendo, no meio das minhas frases contraditórias, no meio de um texto confuso que ninguém entende eu estou entendendo. Pela primeira vez eu estou entendendo o que está acontecendo: eu gosto pra caramba de ficar do seu lado e sinto que você gosta também. E pra que se importar com a ordem correta das coisas? Morri de ciúmes antes de te chamar de amor. Você me disse amor quando eu estava tão puta da vida com você que não queria escutar nada. Prometi que era pra ser com calma. Prometemos, não cumprimos. Somos assim mesmo. Já te conheço. E não tenho medo de você me conhecer. E não tenho medo de falar com todas as letras que entre você e todos os outros, eu escolheria você hoje. E conto minhas piadas sem graças sem medo de você me achar sem graça. E dou risada quando tenho que ser séria. E sou séria no meio de uma brincadeira. E aí brigamos, e fico cinco minutos sem falar com você, depois você me dá uma cotovelada, me chama de chata, eu tento não rir, mas já estou rindo. E não controlo minhas palavras porque você vai escutar o que eu quiser dizer, e se você não gostar, que vá embora. E te mandar embora é a última coisa que eu quero, mas se tiver que ser assim dessa vez vai ser porque até orgulhosa eu ando sendo, e ando gostando de mim primeiro e gostando de você depois. E ando feliz. E ando morrendo de medo de você não me dar bom dia no dia seguinte, de você sumir, de você não me dizer o que eu quero ouvir. Mas você diz exatamente o que eu quero ouvir e eu ganho o dia. E você diz tudo aquilo que eu não queria ouvir e eu tenho vontade de chorar. Mas eu não choro porque as coisas boas estão compensando as ruins. E quando o celular toca de manhã e eu fico brava porque você me acordou, e você começa a brincar com voz de narrador de comercial oferecendo pamonhas de Piracicaba eu sei, de um jeito estranho, que isso foi tudo que eu pedi a Deus. E ando confusa porque não sei mais o que esperar de você, mas o que anda acontecendo é sempre melhor que o esperado. E ando fazendo tudo errado pra ver se dessa vez dá tudo certo, já que todas as vezes fiz tudo certo e deu tudo errado. E quer saber? Obrigada. Obrigada porque é a primeira vez que eu sei que se tudo acabar, que se tudo der errado, mesmo assim, vou morrer de saudade, só que dessa vez, de uma coisa boa.
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