sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Meu sorvete de limão


Nunca soube me entender com a vida muito bem. Sempre, sempre quis muito. Meu maior defeito era querer. Podia ter sorvete de uva, mas eu queria o de limão. E eu chupava uma, duas vezes e via que era amargo, e sabia lá no fundo da alma que era melhor o de uva, mas insistia, só pra não dar o braço a torcer. E chupava sem fazer cara feia, que era pra ninguém desconfiar. E sempre continuei querendo errado. O sorvete, os brinquedos, os amores, as dores, os porres. Sempre escolhendo o pior, sempre, sempre. E a vida falando no meu ouvido "Pelo amor de Deus, me escuta!", e eu nem aí pra vida, só muito aí pra mim, só muito atrás de ser feliz. Sempre assim, nunca soube esperar primavera, verão, outono, inverno. Não, eu corria, atropelava, arrastava tudo. E no verão tudo derretia, e no inverno tudo congelava. E nada dava certo. Não deixava a vida plantar, colher, regar, nascer. Eu queria pra ontem, eu tinha que ser feliz pra já. E correndo atrás da felicidade ela corria pra longe de mim. E querendo muito achar alguma coisa boa eu me perdia de tudo e ficava na merda. E nada, nada nunca dava certo. E de sorvete em sorvete, cresci, virei mulher, continuei correndo atrás do azedo. O azedo que virou homem. Com tantos outros doces, leves, calorosos, eu gostava do menino-limão. Do gosto ruim que era viver no amargo de agüentar o ácido e não ter nenhuma recompensa. E a vida dizia "muda, muda de foco, coloca açúcar, sacode essa sina!", e eu não escutava a vida. E eu tinha quinze anos, e depois dezessete, e depois quase vinte. E ainda continuava com a mesma birra. E se alguém perguntasse "Qual é o seu melhor gosto? Qual é o seu tipo? O que você quer pra vida?", eu respondia que gostava do tipo turrão, com cara de mau, com vida sofrida. Daqueles tipos morenos gostosinhos que enlouquecem metade do quarteirão, te azedam o dia, mas te tiram mil sorrisos, aí você perdoa. Daquela cara de cafajeste mimado assumido. Daquele corpo marronzinho se espalhando no seu cabelo loiro. Mas depois de um tempo você descobre que não adianta fechar os olhos e pensar "meu Deus, como eu queria esse azedume pra mim! Como eu queria te mudar, como eu queria ser sua, como eu queria te mostrar como um troféu e gritar pro mundo que venci, fisguei o morenão!" Mas sabe da maior? Ninguém muda ninguém, todo mundo já vem pronto pra somar, e só. E tentar se somar com outro é se diminuir cada vez mais. E se você achou azedo na primeira mordida não continua, não continua porque no fim da fruta não vai ficar doce do nada. E sua vida não muda do nada. A não ser que você deixe. Porque de repente, assim, de repente, mesmo que você não desconfie, a vida vem e começa a fazer mudanças. E você não entende merda nenhuma. E xinga a vida de ridícula porque do nada, meu Deus, do nada ela muda a rotina, do nada ela tira pessoas que você jamais imaginaria que fosse embora de perto de você, e traz pessoas, que meu Deus, você jamais imaginaria que fosse chegar, se aconchegar, se achegar, ficar, mudar, gostar. E você ainda continua pensando que é passageiro, que é só um gosto doce mais que jajá seu azedinho vai voltar. Mas não volta. E quando volta você tem ânsia, e descobre que se contentou com o horrível muito tempo. E descobre que de tanto você chupar azedo você acaba achando que é de azedo que você precisa. Porque se você comesse merda todo dia você iria achar que precisava de merda pra viver. E se você sonhasse todo dia com um morenão você ia achar que era de um morenão que você precisava pra ser feliz. Mas não, não é assim. Porque um dia vem um gosto bom, um sorriso aberto, uma felicidade limpa. E daí você percebe que a vida sabe muito mais da sua vida do que você. E aí você olha em volta e vê que sonhou a vida inteira com o impossível, fez birra de querer o que não pode, chorou por amar o que não têm. E sofre, e sofre, e sofre. Aí vem a vida e te dá, não o que você queria, mas o que era seu, por direito ou por destino, o que já estava planejado pra ser. E aí você ri, e ri, e ri. E não acredita que tudo, tudo que você desejou um dia, você não tem, e você acha engraçado. Porque sabe que o que você tem é melhor do que tudo que você já desejou. E aí você vê que Deus sabe o que faz. Que a vida sabe o que faz. Que você, você não sabe merda nenhuma. E que precisa parar de desejar tanto pra começar a aceitar o que a vida te dá de bandeja. E descobre que quando a gente insiste demais em uma coisa, e essa coisa não vem, é porque algo muito melhor já está reservado. E depois você enche a boca pra falar que tudo está doce. E aí você pensa, meu Deus, desejei um morenão, errado, azedo, mal-humorado, com problemas de família e me vem um branquelo, certo, doce, com um humor de doer a barriga, com uma família unida.E aí você descobre que o importante não é ter alguém pra te perguntar como foi o dia, mas sim ter alguém que faça seu dia ser feliz. Aí você vê que amar sem limites é papel pra Santa, e que você não precisa ter um amor incondicional pra ser imensamente feliz com um carinho bom. E aí você percebe que amava errado, queria errado, sonhava errado, pensava errado. E aí você muda, sabe que quer muito viver um amor, mas só se for pra ser amada também. Se for pra ser desejada também. Se aceitarem voar junto com você também. Pra que seja doce para os dois. Porque de azedo, já basta todo o resto. E porque gostar de alguém tem que ser doce, senão perde todo o gosto. E no meio dessa plantação de azedo e doce, você se vê feliz. E agradece por nada ser como você sonhou. Por ser melhor. E lê numa traseira de caminhão que a felicidade é incerta. E uma menininha te olha e diz "não tem de limão, pode ser de uva?". E você respira fundo. Aceita o que a vida quer te dar dessa vez. E não, não estou falando de sorvetes..
   

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