sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Um pum esclarecedor

Você já reparou em como ela anda? Cabeça erguida, rebolando. Nunca vi ela repetir uma roupa. Nunca vi ela chorar. Ela parece uma fortaleza. Quando eu tinha 12 anos, eu olhava pra ela e parecia que ela era o que eu queria ser quando eu crescesse. Cresci. Tenho a idade dela. Agora ela deve ter uns 22. E ela continua com cara de princesa. E eu choro, borro a maquiagem, reparo que meu zíper tá aberto a seis quarteirões de casa e fico relembrando todas as pessoas que eu cumprimentei pra imaginar se alguma delas reparou. Eu tenho crise existencial porque eu simplesmente acho que não tenho roupa o suficiente no meu guarda-roupa para a quantidade de finais de semana que existem no mês, no ano, nas décadas! E o que acontece com ela? Será que ela tem um amor? Será que em algum momento do dia ela briga com a vida porque ela quer um sapato e a mãe dela não dá? Será que ela já levou um pé na bunda de querer morrer? Eu juro que fico me perguntando se ela já soltou um pum na vida. É incrível como de fora a vida das pessoas parece tão, inatingível. Claro que ela já teve um amor, e deve ter doído bastante também. E claro que ela deve querer roupas e não tem, querer bolsas e não tem, querer um namorado e não tem. Mas me parece que ela nunca quer nada, já tem tudo. Se me disserem que ela está solteira, nunca vou pensar que é porque ela sofre por alguém que não quer ela, irei pensar que é por escolha. Se me disserem que ela namora, vou pensar que ela faz dele o que bem quer, que pisa, que esnoba, e mesmo assim, ele nunca terminaria com ela. Ou mesmo pensaria que eles têm um relacionamento super do bem, que riem juntos, parecem dois amigos, que dá pra ver o amor saltando deles, que ela e ele saem com os amigos numa boa, que não existem ciúmes, nem problemas. Não consigo ver problemas na vida dela. Não iria acreditar se me contassem que aquele liso não é natural, não imaginaria ela me contando que caiu de quatro na rua e foi o maior mico ou que já foi chifruda. Pra mim a vida dela é resolvida. Sem nenhum podre, e eu aqui acumulando histórias que me coram de vergonha. Como ela consegue? Nessa cidade que você dá uma volta na praça e acabou o centro, que todo mundo é primo, ou amigo do primo de alguém. Como ela consegue ser tão discreta? Tenho vontade de cutucar ela e falar “Oi, me conta um segredo? Só um, por favor, por favorzinho!” na tentativa de parar de endeusar tanto e tornar essa criatura mais humana. Fico desejando que as pessoas também me olhem assim, como se eu não tivesse nenhuma aflição, nenhum porém, nenhum problema, nenhuma cicatriz. Tenho certeza que ela tem uma história, todo mundo tem alguma coisa pra contar.  Mas ela é indecifrável, e eu sou exposição. Quem me vê, já sabe qual é a minha música preferida porque quando ela toca, eu perco a voz de tanto berrar, quem é o meu amor porque quando ele chega, eu desmonto, já sabem qual é a minha maior dor porque eu choro quando falo nela, qual é a minha maior alegria porque não sei esconder sorrisos. Ela não, ela é simplesmente contida, numa paz que chega a ser monotonamente angustiante porque não demonstra sentimentos, hormônios, mudanças, agitações, nada. Calma, quieta, e mesmo assim, uma fortaleza. E eu aqui, tão intensa, que qualquer pancada me derruba. Tão explosiva, que o choro me vence. Qual é o problema dela será, hein? Será que é falta de pum? Eu solto pum, não perto dos outros, claro. Mas sei lá né, todo mundo solta. Acho que ao invés de pedir pra ela me contar um segredo vou pedir pra ela me soltar um pumzinho. Pode ser que não seja uma má idéia. Talvez resolva meus conflitos histéricos sobre uma vida que nem é minha. Uma boa idéia, não com aroma de flores, mas uma boa idéia..

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