Droga, já são 10 e meia
da manhã. Eu coloquei o relógio para despertar há mais de duas horas. Ele não
despertou para mim, mas eu despertei para o mundo. Uma culpa maior que o
Pacífico me consome, coisas como “você é mesmo uma inútil” me vêm à mente. Vejo
a imagem de meus pais me dando bronca. Vejo a diretora do colégio. Vejo um
coronel. Não é ninguém, sou só eu e meu superego implorando para que eu tome
uma atitude e saia dessa cama. Culpa: aos quinze anos você não sabe o que é
isso. O dinheiro brota, as contas magicamente são pagas, você nem imagina
quanto custa sua escola ou seu tênis da nike. Eu não sei se eu estou crescendo,
um lado meu insiste em fazer campanha infantil e lutar pelo direito dos
super-heróis a vida toda, mas eu nunca senti a vida batendo na minha porta e
dizendo “ei, quero ver você mostrar serviço” como agora, eu nunca me senti tão cobrada mesmo sendo livre, eu nunca me senti acuada. Se isso for maturidade, já
caí do pé de tão madura. E agora? Por onde começar? A realidade não bateu em
minha porta, entrou pela janela, estilhaçou meus vidros todos, está gritando
comigo agora. Mas eu não sei para onde ir. Eu deveria ter feito tanta coisa
enquanto perdia meu tempo vendo seriados americanos. Eu deveria ter feito
inglês, espanhol e alemão. Eu deveria procurar experiência enquanto meus
hormônios adolescentes repousavam no sofá. Eu deveria estar pensando no futuro
enquanto estava muito ocupada em chorar por meu primeiro amor. Eu deveria,
então, ter sido uma pessoa completamente diferente do que sou. Mas não fui, e
estou aqui, sem saber como realmente se torna esse bicho adulto. Nessa selva,
onde existem milhões de ameaças rondando, tudo parece querer te matar. Sei que
lá na frente todos esses medos de um filhote se transformarão em garras de
leoa. Mas o caminho que eu terei que enfrentar para que isso aconteça,
desconheço. Como fingir um equilíbrio frente a uma entrevista de emprego? Como
não gritar de raiva ao ouvir “você tem experiência”? Como convencer seus
professores que o trabalho não foi entregue porque a noite passada foi mesmo
complicada? Como conciliar a faculdade, o trabalho, o amor, os amigos, os
inimigos, as angústias, a depilação e as unhas em vinte e quatro horas? Sobram
tarefas, procura-se tempo. Como ter uma calma que não possuo? Como conseguir
ser como aqueles jovens empreendedores bens sucedidos que num programa de tv
qualquer mostram o holerite de cinco barões? Como ser, simplesmente, organizada? Meu quarto está uma bagunça, minha cabeça, um caos. Como conseguir
ser um cidadão feliz na totalidade daquele discurso
biológico-político-econômico-social-afetivo? Como saber se paro a academia ou
faço terapia? Como escolher entre a aula de inglês e umas horinhas de sono no
sábado? Como ser gente, em meio a tantas questões? Será que ser adulto é isso?
Saber dispensar o indispensável? Saber escolher dentre as mil e uma
oportunidades, somente aquelas que são possíveis para hoje, para já? Será que
ser adulto é sentir sua própria voz mandar em você, te empurrar para frente e
dizer a todo tempo “vamos, não podemos perder mais tempo”? Será que ser adulto
é pensar no futuro, sentir que ele já chegou e você ainda está parado no mesmo
lugar? São tantas perguntas que não consigo responder porque talvez, ainda não
seja adulta o suficiente. Mas a angústia que se afirma e se reafirma dentro de
mim é digna de gente grande. É fácil quando se é criança, porque quando se
sonha em crescer sua boneca de repente é você aos trinta. Ao planejar ter uma
casa, a mansão da Barbie cria vida. Ao responder a pergunta “quem você quer ser
quando crescer?” tudo é válido, de motorista de táxi a piloto se avião se vai
em apenas um piscar. Aos vinte e poucos a vontade de crescer, mudar, conseguir
um emprego, constituir família, ter dinheiro, ter um carro, ter um guarda-roupa
novo, casar, ter bebês, ser feliz, viajar no feriado, enfim, tudo agora está
muito mais vivo, mas o a realização desse sonho está muito longe do concreto,
do palpável. Aos vinte e poucos você entende a frase “querer não é poder”. Aos
vinte e poucos a vida começa a fazer sentido. Como se de repente você estivesse
assoprando as velhinhas do seu bolo de cinco anos e de repente você acorda para
a vida real. E nessa vida você precisa ser capaz, você obrigatoriamente não
deve surtar. Você vai ter que conseguir passar por tudo isso sem nenhum surto
psicótico, sem nenhuma crise de choro, sem nenhum gole de vodka e sem nenhum
cigarrinho de maconha. Porque é isso que esperam de você. É só um rito de
passagem, diriam os tantos velhos que existem por aí sem saber porquê de fato
estão na terra. Mas com toda adolescência do mundo, eu assumo e desespero: como
é difícil virar gente grande!
Parabéns pelo texto, Marília! Essas questões são complicadas mesmo, mas futuramente irems rir disso tudo.
ResponderExcluirMarília, me vi em várias situações do teu texto.
ResponderExcluirBem escrito e com elementos que fazem parte da realidade de muitas pessoas.
Abraço de paz.