Não tenho motivos pra desconfiar,
mas ele está no banho, é uma boa hora pra checar seu celular. Confio nele, mas
ele foi à padaria, poderia fuçar suas gavetas. Ele deixou o facebook aberto, é
errado, mas eu poderia ler de cabo a rabo todas as suas conversas. Ele está
conversando com um amigo, eu poderia ficar tranquila, mas quero ouvir a
conversa. É como um vício. A vontade está
ali, parada, quieta. Acho sempre que estou vivendo bem, e de repente, ele me
consome. Não enxergo a realidade e alucino a fantasia. Vivo em um mundo que não
condiz com minhas expectativas e com os meus discursos de "eu sou
assim". Fujo de mim, resgato tudo de controlador e autodestrutivo que
existe por aqui. Vou até o fim e descubro tudo o que não quero, ou eu não
procuro nada e imagino cenas tão dramáticas quanto um filme mudo, onde você não
ouve nada, mas cada ação parece dar um indicio do que só você pode interpretar,
deixando livre as piores formas possíveis de se imaginar uma cena trágica.
Ele é cruel, me faz sentir otária
quando parada, obsessiva quando em movimento, triste quando sozinha, aflita
quando longe. Sigo cada passo como se ele tivesse obrigação, por nascença ou
por destino, de me avisar sobre cada movimento. Ele distancia amizades, acusa
inocências, distorce cordialidade. Ele vê, quase sempre, coisas sem sentido. Por ele, já chorei baixinho, já
gritei sufocando minha dor entre espumas do travesseiro, já tive medo, já
briguei, já calei, já provei a minha certeza, já provaram minha loucura. Já
quis mudar coisas que estão paralisadas na estante do passado, já quis apagar
toda a história vivida, já pedi que não existisse mais ninguém no mundo que
tivesse amado como eu amo, que tivesse desejado como eu desejo, que já tivesse
gostado tanto de um sorriso como eu gosto. Já implorei para que ninguém
descubra essa fonte de felicidade que brota em mim. Já me cobrei "não
demonstra, não demonstra, se você alarmar, vem alguém te ladrar!". Já quis
matar, já quis bater, já quis sumir. Certa vez, pensei que manter uma
pessoa dormindo vinte e quatro horas por dia era um bom modo de não fazer
ninguém se aproximar. Já tive raiva de toda aproximação a mais de 100 metros.
Já imaginei quantas aproximações não pude evitar. Já enlouqueci de não saber o
que se faz quando minha presença não está presente. Já quis ser uma mosca. Já
quis ser invisível. Não fui, sou transparente, e me escorre toda dor que sinto
ao sentir o que não quero.
Aborreço por tanta insegurança
que transborda. Estremeço por confessar que talvez isso seja mesmo, uma doença,
sem cura ou desculpa: o ciúme me corroe. E o desespero bate em uma noite
quente, como se minha carne estivesse mesmo em brasa. Queimando por um ódio sem
sentido, de alguém que não existe, por roubar o que não é seu. Porque na
verdade, não existe nada meu. Só é meu o que guardo em mim. E dentre tantas
memórias bonitas e especiais, prefiro guardar a dúvida. Tento entender que cada um é dono
de si e morrer de ciúme não vai fazer com que ninguém viva só para mim. Tento,
por cinco segundos, depois mando esse discurso psicológico e autossuficiente pra
puta-que-o-pariu. E então, alucino: por que o celular não atendeu? Por que ela
te falou oi? Por que você chegou atrasado? Da onde você a conhece? Você já a
beijou? Você ainda a ama? O medo que tirem seu chão faz você cavar sua própria
cova.
Ciúme é suicídio, te mata aos
poucos, te enterra com suas paranoias vivas e faz você perder o ar e as
esperanças lentamente, até morrer, com a certeza de que sempre será infeliz.
Mata seu amor-próprio, faz você existir primeiro pelo outro, depois para você.
Te faz vingador, se me traírem eu também traio. Te faz depressivo, se ele me
deixarem eu desmorono. Te faz violento, se chegar perto eu esgano. Só se deixa
ser pelo impulso do desespero e pela angústia do desamparo. Não se enxerga o
amor, não se enxerga a paixão. Na escuridão da desconfiança, as
lentes de contato conseguem ver só mentiras, ilusões, delírios. Nessa busca de
gato e rato, de acusações sem provas, de vítima e crápula, quem sofre mais?
Quem lança aos quatro ventos o veneno ou quem recebe todo esse mal para si? O
amor supera mesmo tudo? Ciúme é como erva daninha, uma vez plantado, acaba com
qualquer tipo de relação. Mesmo aquelas que estavam juradas em ser para sempre
um amor eterno. Não conseguimos parar no primeiro trago, é preciso fumar um maço
inteiro de rancor. Não conseguimos beber uma quantidade sociável, é preciso encher
a cara de hipóteses. O ciúme é meu vício. Estava limpa há três meses. Hoje, ele
me rondou. Eu cedi. Sei que será uma luta diária. Mas deveria saber que entre o
amor e o vício, vence, quem eu alimentar.